sexta-feira, 7 de abril de 2017

Ainda dá para ser?

Durante esse tempo que estive longe (fiquei o mês de Março em silêncio) muita coisa aconteceu em casa, mas três coisas mexeram muito comigo. E demorei, ou ainda, estou demorando, em organizar as ideias. Vou tentar compartilhar, e com o perdão ao plágio descarado ao Dr Seuss quero apresentar as minhas: Coisa 1, Coisa 2 e Coisa 3.

Coisa 1: Li em um jornal uma reflexão sobre como tem sido comum as pessoas dizerem que "odeiam crianças" e em uma pesquisa bem rapidinha no Google, encontrei muitos (mas muitos, mesmo!) textos afirmando esse sentimento tão intenso dirigido às crianças.

Coisa 2: A professora da pequena me chamou para conversar, o motivo é que a pequena não é rápida o bastante para o 2º ano. Ela deveria copiar coisas das lousa em pouquíssimos minutos, ela deveria contar objetos muito rapidamente. Ela as vezes leva um tempo muito longo (20 a 30 minutos) para escrever 5 parágrafos a mão. 

Coisa 3: O responsável pelo condomínio onde eu moro decidiu que a rua não deve ser um espaço de brincadeira para as crianças, a justificativa é as pessoas não são obrigadas a gostar de compartilhar os espaços com elas.

Pode ser que olhando as coisas separadamente a gente ache que uma Coisa é uma Coisa, e outra Coisa é outra Coisa. Mas para mim, Coisa 1, Coisa 2 e Coisa 3 fazem parte de uma Coisa só. É uma Coisa bem grande, mas ainda sim é uma só: a desvalorização do ser humano.

Nossa, Karina... Que absurdo!
Juro que não... 

Quem diz que odeia criança, diz baseando-se no fato de que elas são inconsequentes, barulhentas, egoístas, e que dão muito trabalho. Que a vida com elas produz mais limitações e responsabilidades do que ganhos. As escolas, mesmo as que têm uma metodologia bacana, querem alunos produtivos, prontos, com habilidades de pessoas adultas já desenvolvidas. Os espaços de convívio têm sido categóricos, hoje em dia existem restaurantes, hotéis e condomínios que têm sido explícitos ao dizerem que não recebem crianças. As justificativas são as mesmas quem diz que as odeia.
Mas a pergunta que eu te faço é: os adultos também não são inconsequentes? Barulhentos? Egoístas? E dão muito trabalho? A vida de um adulto também não é limitada? E em nossa vida adulta não lidamos muito mais com responsabilidades do que ganhos?
Se nós pensarmos no cuidado (ou falta de cuidado) com o meio ambiente, os adultos têm sido bastante inconsequentes com o tema. A inconsequência também é vista no trânsito (espaço cuja responsabilidade é do adulto), nos hospitais (espaço comandado por adultos), na política (espaço gerido por adultos). Nós adultos, nas nossas relações, também não sabemos ser altruístas, calmos, otimistas e com equilíbrio.

As pessoas têm se esquecido que criança não é um ser separado da humanidade. 
Uma criança É um ser humano, que faz barulho (como os adultos, são barulhos diferentes, mas ambos podem incomodar), que diz o que pensa (como o adulto faz, e as vezes é melhor e mais coerente conversar com uma criança do que com um adulto teimoso), que as vezes é egoísta (e quem não é?), que dá trabalho (e o adulto não dá? Fale-me mais sobre como é cuidar de um amigo bêbado na balada? E como é fazer trabalho na faculdade com quem só quer que coloque o nome? E trabalhar na equipe com um funcionário que não quer fazer a sua função, é o sonho de todos nós, não é mesmo?).
A criança é um ser humano que está adquirindo habilidades e desenvolvendo competências, justamente para virar um adulto chato, como eu e você. E a palavra chave é "aprendendo". O problema de aprender algo novo, é que uma vez que a gente aprende, a gente esquece como era quando a gente não sabia, e numa dessas a gente acha que é ignorante quem ainda está aprendendo.
E num mundo de pessoas que se esqueceram de como era quando estavam aprendendo, não são desenvolvidas as capacidades de aprender, e não há espaço para errar, para tentar de novo, para viver o processo. 
Você só tem uma chance.
E com uma chance só não dá para ser criança. 
Com apenas uma chance, não se tem: nem tempo, nem espaço para aprender a ser humano.
Isto, por sua vez, gera pessoas não humanas, não que elas virem robôs, deixem de ser de carne e osso, não é isso. Mas como as crianças não tiveram tempo e espaço para descobrirem competências e valores, elas não oferecerão isso a ninguém. 

E assim, vive-se esse ciclo que estamos vivendo hoje com a Coisa 1, Coisa 2 e Coisa 3.
Quem odeia a criança, odeia a si mesmo.
A escola que deseja a criança pronta, advoga contra ela mesma, pois o seu papel é preparar e ensinar.
O espaço que proíbe a entrada da criança, limita a si mesmo.
E assim, vamos ficando sem opções para nos desenvolvermos como seres humanos.
Sem a chance de adquirirmos habilidades e competências para vivermos em sociedade.
Sem a chance de aprimorarmos os nossos seres.

Eu vou lutar contra isso, mas eu não acho que a reposta seja odiar de volta, proibir igual, e aceitar a exigência da falta de prontidão.
Eu vou tentar lutar contra isso, dando a minha filha competências, estimulando nela capacidades para estar nos lugares e respeitar o próximo, mostrando a ela que a gente sempre pode aprender e treinar novas habilidades como fazer mais rápido, ou caprichar mais, ou prestar mais atenção, e que isso não tem a ver com a cobrança de alguém, mas com a nossa vontade de ser melhor todos os dias.

E não vou fazer isso apenas na infância, mas sempre.
Eu faço isso comigo todos os dias.
Eu não quero emburrecer, odiar a mim mesmo, esquecer de como já fui ignorante, e de como ainda sou para tantas coisas que preciso aprender. 
Eu não quero perder o desejo de ser hoje alguém melhor do que fui ontem.
Eu não quero - por fim - deixar de ser um ser humano, e portanto, não quero que a pequena seja privada de ser.

Eu não sei onde você se encaixa nessa história toda, se você é quem está fazendo a Coisa 1, a Coisa 2, ou a Coisa 3. Ou se você está como eu, questionando e buscando uma alternativa a essas coisas.
Mas que independente de onde a gente esteja, que a gente seja capaz de lembrar que o MMC entre nós é que somos todos pessoas, ainda que sejamos crianças, adolescentes, adultos, idosos, brancos, negros, orientais, indígenas, cristãos, católicos, budistas, muçulmanos, umbandistas e tantos outros rótulos que a gente usa para esquecer que somos essencialmente e simplesmente pessoas.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Bichos

Não. 
Não vou falar sobre animais de estimação, de zoológicos, de savanas, florestas, rios e mares.
Vou falar de bicho pessoa.
E de como percebi que eu – enquanto bicho também – me percebi num choque de gerações.

Há 15 anos atrás, eu, com recém completos 18 anos, recebia o título tão sonhado de bichete!
Fui aprovada no curso de graduação que tanto sonhava.
Fui para a faculdade, com uma alegria gigantesca, preparada para levar o trote, com a melhor boa esportiva do mundo.
As veteranas deram uma aula trote, depois pintaram o rosto e a roupa de todos os bichos.
A pintura era feita com guache e maquiagem.
A intenção era não causar prejuízos aos bichos e às bichetes.
Dali fomos pedir dinheiro nos semáforos.
A orientação era: "ninguém é obrigado a dar dinheiro. Peçam com educação."
Depois do meio dia, quem quis acompanhou os veteranos para tomarem alguma coisa nos bares, quem não quis foi para casa. Essa última opção, foi a minha.
Tudo tranquilo e sem estresses.
Ao longo dos 15 anos que se passaram, aconteceram muitas coisas.
Eu me formei.
Eu me casei.
Eu trabalhei.
Eu me especializei.
Eu me tornei mãe.
E essa última experiência transformou meu jeito de olhar para as coisas. 
Agora eu olho para as coisas da vida pesando consequências, avaliando a quantidade (in)disponível de dinheiro, de recursos, de apoio.
E nesta semana, curiosamente, eu revivi o trote.
Mas agora como adulta.
E descobri que os anos passaram de verdade, e me mudaram de verdade.

Eu estava no meu carro, dirigindo em direção a faculdade (a mesma que eu frequentei), quando fui parada por nada mais, nada menos, que bichos e bichetes.
Minha primeira reação foi dar um largo sorriso (eu guardo com carinho as lembranças, como falei antes).
E depois, tive meu carro bloqueado por uma quantidade considerável de bichos e bichetes, que afirmavam ora em tom de brincadeira, ora em tom de ameaça, que não sairiam da frente sem que eu contribuísse com alguma quantia em dinheiro.
Achei estranha a abordagem, mas continuei com o meu sorriso. Tinha um compromisso com hora marcada na faculdade, precisava sair dali rápido. Então, peguei algumas moedas e dei.
Alguns metros à frente, a mesma abordagem.
E eu – ainda com o sorriso – disse: já contribuí com o pessoal ali atrás.
A reação não foi das melhores.
Os bichos começaram a rodear o carro dizendo num tom de agressividade: “não foi para a gente”.
Mas me deixaram passar.
Quando olhei no retrovisor, percebi muitas camisetas, bermudas, calças e saias rasgadas.
E os bichos – que talvez tivessem um pouco mais de 17 anos – estavam, a grande maioria, com garrafas de pinga e cerveja nas mãos, tomando do gargalo.
Às 9 horas da manhã.
Já perto das 13:30, meu compromisso tinha acabado, e eu estava indo almoçar.
Fui abordada de novo.
Não tinha nem moeda.
Nem sorriso.
Agora, os bichos com roupas ainda mais rasgadas e claramente embriagados, paravam o trânsito completamente.
E para pedir dinheiro, batiam nos carros.
Bateram no meu.

Aí, minha senhorice se apossou de mim por completo.
Tive vontade de descer do carro, jogar as bebidas alcóolicas no chão, botar todo mundo sentadinho e faze-los comer arroz, feijão, uma proteína e salada. Tive vontade de pegar o dinheiro que recolhiam para o pedágio para indenizar os pais (judiação daquelas roupas novinhas, todas rasgadas, com tanta gente passando necessidade na rua). De falar para eles valorizarem o esforço das famílias para que eles estivessem ali. De falar para eles valorizarem e honrarem a oportunidade que conquistaram.
Mas não fiz nada disso.
Só fiquei pensando em como seria para mim como mãe, levar minha filha para o primeiro dia na universidade, depois de anos sonhando com o título de bichete. E receber minha filha com a roupa rasgada, embriagada desde às 9 horas da manhã, com novos amigos que entendem que comemorar essa conquista passa por essas ações.
Fiquei triste.
Pela primeira vez, o trote, os bichos, as bichetes, foram uma lembrança ruim para mim.
Contando os anos, até que esse dia chegue para a pequena, temos 11 anos pela frente.

Tomara que, ao longo dos próximos anos, a forma de virar bicho, seja mais humana.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Tanto barulho aqui dentro

Você não consegue imaginar quantos momentos aconteceram ao longo desse comecinho de ano que me fizeram questionar aspectos da maternidade.
E no meio disso ficou um barulho dentro de mim.
Sabe como é? 
Aquele barulho estranho, que deixa a gente inquieto.
Mas ao mesmo tempo, é tanta coisa urgente acontecendo, que o barulho estranho vira um barulho de cidade grande, sabe? 
A gente se incomoda, mas se acostuma com ele.

Veja como foi até agora nosso comecinho de ano:
1) Cirurgia de retirada de amígdala e adenoide da pequena (correu tudo bem, graças a Deus!)
2) Início do 2º ano do Ensino Fundamental (nossa antiga 1ª série)
3) Início de rotina de lição de casa (dessas de verdade, que a gente leva tempo para fazer)
4) Reuniões de pais e mestres
5) Consultas médicas (muitas, consultas médicas): pediatra (rotina), otorrino (pré-cirurgia, 2 pós-cirúrgicas), endocrino (para mim), gastro (para mim).
6) Consultas de ortodentista (pequena está usando aparelho ortodôntico há quase um ano)
7) Consultas de veterinário (nossa passarinha se machucou, nosso cachorro desenvolveu uma otite feia) e consequentes retornos e cuidados com os animais.
7) Volta ao trabalho 
8) Volta as atividades da igreja
9) Exames (muitos exames), de exames de sangue, à ultrassons, passando por endoscopias.
10) Reparos da casa: o jardineiro quebrou os fios da internet, os caras da internet quando vieram quebraram os canos de água, o encanador arrumou, mas no dia seguinte ele voltou porque quem não aguentou foi a caixa d'água.

Não é a toa que o barulho ficou abafado por um tempo.
Mas ele é real. 
As vezes, o barulho pode nem ser tão grande, sabe?
Mas pela falta de tempo de escutar com atenção, ele pode parecer maior.
Está vendo a falta que esse espaço me faz?
É tanto barulho aqui dentro!

E eu queria compartilhar uma coisa muito real da maternidade, que vivi (e vivo) com intensidade:
A criança continua existindo, precisando e demandando orientação, educação e limites, independente do ruído interno (reflexões, questionamentos, anseios) ou do ruído externo (demandas diárias, rotinas e agendas). Ah! Vá?
E durante o ruído, seja ele qual tipo for, a criança está nos olhando, aprendendo com a gente sobre a forma como lidamos com os imprevistos, com a nossa flexibilidade ou falta dela, com a nossa disposição em enfrentar os desafios, problemas. Com o nosso pessimismo, ou com o nosso otimismo.
É um exercício daqueles pensar que sua filha está te observando nesse momentos conturbados. 

Isso me deixa um pouco desconfortável, porque não quero que ela veja lados não muito bonitos de quem sou, quero ser um bom exemplo.
Mas ao mesmo tempo, a expressão de ser falível, mostra que ela não precisa ser perfeita - eu também não sou, e preciso lidar com minhas (muitas) imperfeições. 
Não vou exigir isso dela... 
Não vou exigir isso dela... 
Não posso exigir isso dela.

Por outro lado, aquelas características bonitonas que a gente tem, também podem aflorar e mostrar que a gente não é tão porcaria, assim. (E consequentemente se perdoar pelos muitos erros)

Agora que ela está mais velha, ela me olha mais.
Ela me pergunta mais o que estou sentindo.
Ela me pergunta o motivo das minhas caras e bocas.
Ela está aprendendo comigo, de mim, e sobre como eu vivo com o mundo.
Ela faz o mesmo com o papai.
Ela está aprendendo com ele, dele e sobre como ele vive com o mundo.
Ela estende esse movimento para outras pessoas próximas também.

Apesar do barulho, ela está aqui. 
Apensar dos meus barulhos, ela está aqui.
E, meu Deus, é tanto barulho aqui!


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

ano novo feliz

Eu comecei a escrever uma super duma reflexão sobre como os clichês de fim de ano me pegaram de jeito, como eu pensei em fazer uma lista de metas, de planos, e no meio percebi que estava difícil separar desejos meus para mim, de desejos meus para a pequena, ou para a minha família.
Mas sabe, desisti da lista.
Decidi esperar as surpresas de 2017.
Tomara que sejam surpresas felizes.
E queria aproveitar para agradecer as visitas, as trocas e tanta coisa bacana que compartilhei com vocês no anos que se passou.
Foi uma feliz decisão voltar a escrever.
Então, que 2017 seja cheio vida para compartilhar!