segunda-feira, 7 de novembro de 2016

tenha fé

Você tem fé?
A gente não precisa ter uma fé igual.
Eu não tenho a pretensão de iniciar um debate teológico acerca das religiões, modelos e práticas.
Estou bem longe disso.

Eu cresci em uma família que professa uma fé.
Eu me casei com alguém que professa a mesma fé.
E temos, juntos, mantido a nossa família sob a mesma fé.
Nós acreditamos em um Deus que se relaciona pessoalmente com a gente, que se importa conosco.
Mas existe algo bastante curioso na minha fé.
Depois que eu cresci, a minha fé começou a ocupar os lugares que a minha razão é limitada para compreender por meio da lógica e da ciência.
Gosto de pensar, pela fé, que existe Alguém maior que cuida de todos esses detalhes incompreensíveis.
Acontece que eu cresci e perdi a fé inocente.
Minha fé existe(ia) - somente - para coisas importantes.

Até que na sexta passada - dia de brinquedo na escola - a pequena, além do brinquedo, levou uma bolsinha de plástico, cheia de cacarecos.
Ela ia dormir na casa da vovó e do vovô, e como você pode imaginar, a mochila foi abarrotada de coisas. Lá tinha o livro da biblioteca, a pasta com a lição de casa, a lancheira, o agasalho de moletom, os brinquedos e a tal bolsinha, cujo propósito era levar para brincar na casa dos avós.
E a bolsinha cheia de cacarecos valiosos (para ela): sumiu.
Recebi uma mensagem da minha mãe dizendo que o item havia sumido, que a pequena tinha chorado, mas que elas oraram juntas pedindo que a bolsinha fosse encontrada.
Com toda a sinceridade do meu coração, a única coisa que pensei foi: que pena, mas ela vai aprender a tomar mais cuidado com as coisas a partir de agora. Minha mãe acolheu a tristeza da pequena, orando.
Está tudo bem, não é nada demais.
Passou o final de semana, e a pequena insistiu na oração.
Fez o mesmo pedido no sábado, no domingo.
E hoje, ela foi para a escola determinada a ir até o achados e perdidos e verificar se sua bolsinha com cacarecos valiosos estava por lá.
Segunda de manhã é tempo de correria por aqui (por aí também, eu sei), e não pensei sobre a situação da bolsinha.
No caminho para a escola, eu olhei em um caminhão e no pára-choque estava escrito "Não perca a fé".
Eu achei curioso, porque imaginei que estaria escrito "não perca a esperança".
Mas segui meu caminho, sem nenhuma inquietação.
Cheguei na escola.
A pequena entrou no carro com um sorriso leve, tranquilo.
Perguntei como tinha sido o dia.
Ela sorriu e disse: foi bom, muito bom.
E me lembrei da bolsinha, e perguntei, meio com medo: - Você conseguiu ir ao achados e perdidos?
E ela disse que sim. E mais: - Mamãe, minha bolsinha estava lá, com todos os meus brinquedinhos dentro.
Os sinais estavam me avisando, mas eu não tinha reparado.
A minha fé "madura", científica e lógica, não me permitiu ver que a fé da minha pequena está em pleno desenvolvimento.
E que uma bolsinha cheia de cacarecos, pode até não ser importante para mim.
Mas para ela, e com a fé que ela tem, é importante, sim.

Como eu disse no começo, não precisamos ter a mesma fé.
Nem eu e você (que está lendo), nem eu e a pequena (que está crescendo).
A pequena não precisa ter a minha fé "madura", científica e lógica.
Mas eu posso ter mais empatia, e desenvolver em mim, uma fé mais "infantil" que se importe com aquilo que é importante para ela.
Como eu também disse no começo, minha intensão não é o debate teológico, mas a reflexão de que a minha fé precisa saber se colocar no lugar do outro, seja esse outro a minha filha, o meu marido, a minha família, os meus amigos, ou qualquer outra pessoa.
E que bom que a bolsinha de cacarecos se perdeu.
E que bom que o caminhão avisou.
E que bom que a minha ficha caiu.
E por isso: tenha fé.


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